A ética das touradas
Neste post do Esquerda Republicana, Ricardo Alves critica os defensores dos direitos dos animais, recorrendo a duas proposições que diz serem defendidas pelos mesmos:
- Acreditar que os animais não humanos podem ser sujeitos de Direito;
- Achar que os outros não têm o direito de se divertir de uma forma que não aprovamos.
A primeira proposição é válida, e deve ser discutida pelo seu valor dialético, e pela importância que tal questão representa nos nossos dias. Dispensá-la enquanto formulação de indivíduos que seguem correntes anti-humanistas, e que se encontram éticamente desorientados é pouco plausível.
Do reconhecimento à legislação
O que a primeira proposição nos diz é que o estatuto de certos animais, com base em determinados critérios (sendo a senciência um deles) devem ser protegidos pela lei. Mas o facto de um animal ser senciente não lhe garante, imediatamente, acesso a protecção legal. Devemos, portanto, mergulhar nas assumpções estabelecidas quando alguém afirma 'Magoar um animal é mau':
1. Existem animais não-humanos sencientes, logo, possuidores de estados mentaisA Lei é, por excelência, a consagração de princípios morais comunitários, tomando um carácter normativo. Creio que a regulação legal com vista a terminar o sofrimento gratuito que é infligido a seres sencientes por hábitos que não se revestem, de forma alguma, de carácter necessário é uma medida sensata. Adicionalmente, os benefícios retirados do sofrimento animal são, em larga medida, superados pelos efeitos nefastos que advêm da quantidade de sofrimento provocada a um ser senciente.
2. O sofrimento é intrinsecamente mau, e deve ser evitado sempre que possível
3. Os animais, na sua qualidade senciente reconhecem situações nefastas para o seu bem-estar, e demonstram comportamentos adequados, empreendendo estratégias para a sua resolução.
Estatuto moral
Antes de definirmos o estatuto moral de um animal senciente, consideremos os factores que estão na origem do reconhecimento do estatuto moral que cada um de nós atribui a outro ser humano e que torna universalmente condenável a situação que descrevi na crítica à segunda proposição.
A racionalidade ou a capacidade de agir moralmente são normalmente vistos como princípios básicos do estatuto humano, que nos permitem tratar outro ser humano como igual, merecedor de um conjunto de direitos que consideramos inalienáveis. O que dizer de, por exemplo, um indivíduo que nasce com uma deficiência cognitiva grave, que o coloque num patamar básico de senciência? Não creio que a ausência de processos mentais superiores possa justificar o sofrimento do indivíduo, embora este não corresponda aos critérios que utilizamos para agir moralmente relativamente a outro ser humano.
Ursos nas urnas
Estará implicado nas minhas palavras anteriores que um ser humano é, de facto, equivalente a outro animal? Certamente que não. Não creio que seja praticável levar um urso ás urnas, para votar no seu candidato preferido (apesar da elevada afluência de ursos aos locais de voto, sempre que é possível exercer esse direito fundamental). O que defendo é a inclusão do princípio da senciência enquanto critério para agir moralmente.
Conclusão
1. Certos animais não-humanos são sencientes.
2. O sofrimento é intrinsecamente mau, e deve ser evitado.
3. Infligir sofrimento a um ser senciente (de forma claramente superflua e dispensável) é moralmente errado.
4. Logo, magoar um animal é moralmente errado.
Em 3, incluem-se actividades como as touradas.
5 comentários:
Caro Diógenes de Roterdão,
parabéns: compreendeu o meu texto, ao contrário da maior parte dos comentadores anónimos que lá tive.
É claro que o ponto fulcral é saber a que animais devemos reconhecer os mesmos direitos. Eu penso que apenas os devemos reconhecer aos animais da espécie humana. Sei que isto o pode levar a acusar-me de «especiismo». Paciência: a senciência não pode ser o único critério (se o fosse, teríamos que nos tornar todos vegetarianos).
Eu próprio considero-me especiista, ou seja, considero-me superior a qualquer outro animal, baseando o meu critério nos princípios que referi: os processos mentais superiores.
No entanto, também reconheço que certos animais, decorrente da sua senciência, possuem direitos inalienáveis. Esses direitos deveriam encontrar-se consagrados na lei.
A senciência é um critério suficiente, se aceitarmos que o sofrimento é mau e deve ser evitado, e que é imoral infligi-lo, especialmente quando tal sofrimento não compensa os benefícios retirados.
E penso que sim, que todos deveríamos ser vegetarianos, pois uma vez que existem alternativas viáveis, estas devem ser adoptadas. O palato não justifica o sofrimento.
«alvejar outros seres humanos não poderá ser uma forma de divertimento aceitável no entender de qualquer indivíduo que considere o sofrimento (neste caso gratuito, caprichoso e anti-humano) algo intrinsecamente mau, e que este deve ser evitado»
Cheney não partilha deste ponto de vista. Nem o resto da sua comitiva nas catacumbas da Casa Branca.
É o tipo de opiniões que podemos esperar de quem ainda vive no Pleistoceno, quais homo erectus.
Parabéns pelo texto Diógenes de Roterdão.
Temos que conscientizar as pessoas sobre os direitos dos animais.
Ricardo Alves,
Vegetarianos? Por que não?
Pense nisso.
(Brasil)
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