quinta-feira, 17 de maio de 2007

Deus está morto

Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste acto não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu acto mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste acto, de uma história superior a toda a história até hoje!

Nietzsche, Friedrich in A Gaia Ciência, §125.
Numa das passagens mais famosas da filosofia ocidental, o Louco (personagem de Nietzsche) declara que Deus morreu.

Deus Morreu, e com ele, os valores absolutos

O Louco corre pela praça, anunciando a plenos pulmões que Deus morreu. As pessoas observam, curiosas, ao constatarem que um qualquer louco, empunhando uma lanterna em pleno dia (reminescências de Diógenes) anuncia a morte de Deus. Frustrado, esmaga a sua lanterna contra o chão e lamenta ter chegado cedo demais.

O que tenta Nietzsche veicular, ao colocar tais palavras na boca do Louco? A morte de Deus, ou seja, a sua decadência física? Certamente que não. Nietzsche pretende comunicar-nos que o conceito de Deus morreu (fazendo questão de frisar que fomos nós que o matámos), e que este já não serve enquanto fundamento moral para guiar a nossa acção.

O que resta ao indivíduo que, no decorrer da sua vida, fundamentou a sua acção na crença da existência de Deus? Ao quebrar este conceito basilar, não existe nada que possa ficar na mão do crente: apenas o vazio. Deixam de existir valores morais objectivos e absolutos.

A ameaça do nihilismo

Puxámos o tapete ao crente. O local que reservámos ao sistema de crenças, nomeadamente, a Deus, encontra-se vazio e não pode ser preenchido. No entanto, muitas pessoas insistem em manter um cadáver num trono, animando-o através de terapia electroconvulsiva. Mas quando os processos de decomposição se tornarem aparentes pela sua imagem grotesca e cheiro repulsivo, as pessoas não poderão negar que esta morte ocorreu. O desespero tomará conta delas, e que na ausência de leis morais objectivas, a vontade humana dita a lei: tudo é permitido. O nihilismo tomaria conta de cada indivíduo, e assim da sociedade.

Engenharia conceptual: a reavaliação dos valores

Nietzsche delineou um projecto filosófico ambicioso: reavaliar os valores tradicionais. Para Nietzsche, o nihilismo segue do facto de o Cristianismo ser idealista, e tal como em qualquer sistema idealista, não existir uma fundação sólida sobre a qual edificar uma estrutura moral sólida.

Oceanos, telas e superhomens

Com Deus enterrado e fora do caminho, é possível explorar caminhos que antes seriam impensáveis. O Ser Humano possui agora espaço e possibilidade de se desenvolver de acordo com o que o seu potencial permite, redefinindo os seus objectivos de acordo com este mundo, ao invés de agir com vista a um mundo sobrenatural. A morte de Deus torna-se, portanto, uma espécie de tabula rasa, sobre a qual poderemos exercer a nossa liberdade criativa sem os condicionamentos do passado.

Nietzsche recorre à metáfora do mar aberto, que pode ser simultaneamente assustador e belo. As pessoas conseguirão, eventualmente, preencher a tabula rasa com novos valores, fruto da sua nova liberdade criativa, e alcançarão assim um novo estádio da existência humana. Ao derrotarem o seu próprio nihilismo, surgirá o Übermensch.

"God is dead. Let us not understand by this that he does not exist or even that he no longer exists. He is dead. He spoke to us and is silent. We no longer have anything but his cadaver. Perhaps he slipped out of the world, somewhere else like the soul of a dead man. Perhaps he was only a dream ... God is dead."
Jean-Paul Sartre



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