quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Jornalismo fardado






Do público - o nosso pasquim de referência - retiro este título. Não merecia melhor scan.
Posso-vos garantir que li o artigo de fio a pavio e fiquei sem perceber o que é que Hugo Chávez vai fazer. Só percebi que quer permanecer "indefinidamente no poder" e consolidar "a revolução socialista".
Só ouvindo da boca do próprio:



Uma proposta para retirar da Constituição a limitação de mandatos do chefe de Estado, tal como existe em Itália e em França.
Pode ser a democracia a regredir na Venezuela, copiando os nossos modelos "ditatoriais". Eu não concordo com a reeleição contínua, mas não me parece correcto apelidar os outros de ditadores apenas porque não concordamos com as suas políticas, ainda que tenham clara representatividade, e por isso legitimidade.

5 comentários:

Miguel Duarte disse...

Sinto muito, mas um governo comunista, mesmo que tenha a legitimidade do voto inicial, é efectivamente uma ditadura, a partir do momento em que deixa de respeitar a propriedade privada e procura formas de se manter indefinitivamente no poder.

Um Estado de Direito apenas pode existir enquanto os políticos são sujeitos a referendos regulares e enquanto existe separação de poderes e "check & balances". Algo que infelizmente já deixou de existir à muito na Venezuela.

Além de que Democracia (algo diferente de Estado de Direito, mas intimamente ligada), não deve ser exactamente uma ditadura da maioria, mas sim, um método de decisão e de escolha de governo, que usando o voto, respeita apesar de tudo as minorias (ex: lá porque a maioria acha que quer roubar ou matar as minorias isso não deve tornar-se legal).

A Venezuela infelizmente, é cada vez menos um Estado de Direito e uma Democracia, logo, cada vez mais uma ditadura.

Rouxinol disse...

"Sinto muito, mas um governo comunista, mesmo que tenha a legitimidade do voto inicial, é efectivamente uma ditadura"

Tenho alguma dificuldade em interpretar o seu comentário.
Das duas uma: ou tem para si que os modelos comunistas são ditatoriais apesar de achar que devem poder ser eleitos pelos cidadãos, e aí estamos de acordo; ou então, considerando-os ditatoriais, defende que devem ser logo banidos, derrubados pela força, desrespeitando assim a escolha dos cidadãos.
A questão é se o povo deve ou não ter o direito de eleger projectos socialista. Eu acho que deve, sejam eles quais forem. Assim como acho que devem existir partidos fascistas legais. Senão o que é que nos distinguia deles?
É que ao afirmarmos princípios orgânicos do que entendemos por democracia que ultrapassem em demasia o sufrágio universal regular (este é o axioma da democracia por excelência, creio...), estamos a convocar uma entidade possuidora de valores morais mais elevados que vai limitar a escolha dos cidadãos para que estes não escolham uma ditadura. Seria como um controlo de qualidade. O problema é que essa convocação é ela própria uma ditadura, e bastante perigosa porque se veste de democracia.
Creio que era a esse propósito que se referia Bakunine quando referia que "O sufrágio universal é a exibição ao mesmo tempo mais ampla e refinada do charlatanismo político do Estado; um instrumento perigoso, sem dúvida, e que exige uma grande habilidade da parte de quem o utiliza, mas que, se souber servir-se dele, é o meio mais seguro de fazer com que as massas cooperem na edificação de sua própria prisão."
As pessoas não se podem deixar enjaular por alguém que lhes diz que as quer impedir de serem enjauladas. As pessoas têm que respeitar o acto eleitoral, quanto mais não seja porque é a sua liberdade que está em jogo.

"a partir do momento em que deixa de respeitar a propriedade privada e procura formas de se manter indefinitivamente no poder."

Eu concordo contigo em que um governo que desrespeite a propriedade privada é ditatorial, assim como considero ditatorial alguém que entende a propriedade privada como um direito absoluto, acima de qualquer outro.
A propriedade privada não é um direito absoluto, nem na Venezuela, nem nos EUA.
E se alguém é eleito sob a promessa de nacionalizar o sector energético. Tem a autoridade legal, e na minha opinião moral para o fazer.

"Um Estado de Direito apenas pode existir enquanto os políticos são sujeitos a referendos regulares"

O que não tem faltado são sufrágios e a Constituição venezuelana é bastante democrática, visto que até prevê um número de assinaturas para referendar a revogação do mandato de um presidente.

"e enquanto existe separação de poderes"

Concordo. Não percebi o que Chávez quis dizer com o "romper com o Estado clássico".

"Além de que Democracia (algo diferente de Estado de Direito, mas intimamente ligada), não deve ser exactamente uma ditadura da maioria, mas sim, um método de decisão e de escolha de governo, que usando o voto, respeita apesar de tudo as minorias (ex: lá porque a maioria acha que quer roubar ou matar as minorias isso não deve tornar-se legal)."

Esse tipo de discurso é perigoso e descredibiliza a democracia aos olhos das pessoas. Repara que a maioria eleitoral influencia sempre a minha e a tua vida. Senão o que seria a democracia?
O exemplo que deste também não facilita. É claro que a maioria não deve decidir se mata ou não a minoria, e claro que devem haver limites à expropriação. Isso já são mas axiomas a juntar ao que principal. Mas se achas que a propriedade privada deve ser um deles, então estamos em desacordo.

Rouxinol disse...

Errata: Onde se lê "Isso já são mas axiomas a juntar ao que principal.", deve ler-se "Isso já são mais axiomas a juntar ao principal"

Miguel Duarte disse...

"A questão é se o povo deve ou não ter o direito de eleger projectos socialista. Eu acho que deve, sejam eles quais forem. Assim como acho que devem existir partidos fascistas legais. Senão o que é que nos distinguia deles?"

Presentemente a minha opinião é que projectos políticos que impliquem a eliminação do estado de direito e da democracia devem ser proibidos.

Isto tão simplesmente por uma razão. É que se a maioria elegesse esses governo, tal implicava que uma minoria deixaria de ter representação e teria que passar a usar as armas para repor a ordem democrática.

A Democracia não é uma ditadura, no sentido em que pressupõe liberdade de expressão e descentralização do poder. Poderá sê-lo no sentido em que eu acredito que é o único sistema aceitável.

"E se alguém é eleito sob a promessa de nacionalizar o sector energético. Tem a autoridade legal, e na minha opinião moral para o fazer."

Desde que pague o justo valor pelos bens que expropria. É essa a diferença entre ladroagem e honestidade. Mais uma vez, a maioria não pode por sua própria decisão decidir roubar minorias.

"visto que até prevê um número de assinaturas para referendar a revogação do mandato de um presidente"

Nice. Mas o limite de mandatos, quer numérico, quer temporal, é algo fundamental para a democracia. Uma coisa é a teoria de que o presidente pode cair via um referendo convocado pela população (que é algo teórico e que à medida que esse presidente vai controlando a sociedade torna-se mais complicado). Outra coisa, é o presidente ter a noção que de n em n andos tem que se sujeitar a um referendo popular obrigatório.

"Repara que a maioria eleitoral influencia sempre a minha e a tua vida. Senão o que seria a democracia?
O exemplo que deste também não facilita. É claro que a maioria não deve decidir se mata ou não a minoria, e claro que devem haver limites à expropriação. Isso já são mas axiomas a juntar ao que principal. Mas se achas que a propriedade privada deve ser um deles, então estamos em desacordo."

Por isso é que existe uma constituição, separação de poderes e até descentralização. O poder não deve estar concentrado numa pessoa (ou em poucas), mas sim disperso pela sociedade, por forma a assegurar que ninguém consegue ditar a sua vontade isoladamente.

Já a constituição é um garante dos direitos fundamentais que não devem ser violados mesmo que por vontade da maioria. A vida é claramente um deles, a liberdade de expressão outro, a não discriminação pelo Estado outro e a propriedade privada também o é. O Estado a expropriar só o pode fazer se te compensar devidamente. Ou agradava-te que o Estado (a junta de freguesia, por exemplo), te levasse a casa porque o bem comum assim o dita e não te desse qualquer compensação que te permitisse adquirir um bem de igual valor noutro local.

Rouxinol disse...

"Presentemente a minha opinião é que projectos políticos que impliquem a eliminação do estado de direito e da democracia devem ser proibidos."

Fiquei com a mesma dúvida. Um projecto socialista que não preveja a eliminação do sufrágio universal, deve ser proibido?

"Desde que pague o justo valor pelos bens que expropria. É essa a diferença entre ladroagem e honestidade."

Estamos de acordo.

"Mais uma vez, a maioria não pode por sua própria decisão decidir roubar minorias.

Só se existirem motivos válidos para isso. A expropriação não deve ser uma conduta arbitrária. Nos EUA está circunscrita ao "public use", por exemplo.
Como disse, a propriedade privada não é um direito absoluto. E agora acrescento que a expropriação não deve ser uma conduta arbitrária.

"Nice. Mas o limite de mandatos, quer numérico, quer temporal, é algo fundamental para a democracia. "

Estamos de acordo. Mas isso não faz da França uma ditadura. Apenas um pouco menos democrática.

"Uma coisa é a teoria de que o presidente pode cair via um referendo convocado pela população (que é algo teórico e que à medida que esse presidente vai controlando a sociedade torna-se mais complicado)."

Isso é verdade em qualquer parte do globo. E não só é verdade para os referendos, como para as eleições.

"Outra coisa, é o presidente ter a noção que de n em n andos tem que se sujeitar a um referendo popular obrigatório."

Não percebi o que quiseste dizer. Que o Chávez eliminou o regular sufrágio universal a que um presidente se tem que submeter?

"O poder não deve estar concentrado numa pessoa (ou em poucas), mas sim disperso pela sociedade, por forma a assegurar que ninguém consegue ditar a sua vontade isoladamente."

Também estou de acordo.

"A vida é claramente um deles"

O que não transforma os países onde existe pena de morte, em ditaduras. Era aqui que queria chegar.