domingo, 14 de outubro de 2007

A Queda da Cultura Ocidental?

"Óptimo homem, tu que és cidadão de Atenas, da cidade maior e mais famosa pelo saber e pelo poder, não te envergonhas de fazer caso das riquezas, para guardares quanto mais puderes e da glória e das honrarias, e, depois, não fazer caso e nada te importares da sabedoria, da verdade e da alma, para tê-la cada vez melhor?"

Platão,
Apologia de Sócrates

Quando Sócrates colocou esta questão perante a Assembleia dos 501, que mais tarde iria proferir a sua sentença de morte, o filósofo ateniense estava, provavelmente, consciente da natureza intemporal da sua questão. Sabia que esta não se coadunaria unicamente à sua era, e que iria sobreviver ao teste do tempo, as suas raízes bem assentes na natureza humana, e por esse meio, as motivações que provocam a questão estariam presentes na sociedade expressa pelo meio que o ser humano, baseado na sua natureza, constrói. Em todas as eras da História da humanidade, as preocupaçoes básicas pautaram sempre a mente humana. E tal é apenas natural, uma vez que tudo o resto depende da satisfação dos impulsos básicos definidos pela nossa programação biológica. Só então pode a razão e a arte florescer, e providenciar frutos duradouros.

Mas a "Civilização Ocidental", cujo substrato e estrutura cultural lhe permitiu erguer-se, orgulhosa, sólida e fundada, está a cair. E a queda, apesar de vertiginosa, é pouco notada. Afinal, aqueles que a poderiam notar são os que se afundam com ela, substituindo a virtude pelo hedonismo puro, recusando assim a busca pelo conhecimento e recostando-se em plena alienação, hipnotizados pela vacuidade do fast-food cultural. Em apenas uma ou duas gerações, os nomes de Platão, Kant, Galileu, Turing ou Heisenberg (apenas para mencionar alguns) terão sido esquecidos, meras menções no rodapé dos manuais de História do ensino cada vez mais pobre (se História ainda estiver no currículo, por essa altura! Filosofia, decerto, já não irá figurar no currículo académico) e acrítico, que é, afinal, tudo aquilo que um modelo civilizacional moribundo tem a oferecer aos seus filhos.

A dificuldade em resgatar uma cultura moribunda acentua-se sobretudo quando pensadores e artistas, afinal, os produtores e zeladores da cultura ocidental, se fecham em círculos e elites, que recusam interagir abertamente com um público que, afinal, não quer saber. Aqueles que podem travar, e eventualmente, proceder a reparos estruturais na nossa civilização não possuem a motivação para levar a cabo uma tarefa tão ingrata. A produção de cultura, dita viável, está na mão de glutões cujo único interesse é apenas o lucro, e não a evolução positiva da cultura.

Todas as culturas evoluem. Todas as culturas possuem ciclos de vida, nos quais nascem, vivem e morrem. Será a nova cultura pop do Oeste o cancro que consome o corpo cultural?

Tudo isto sem Europocentrismos, ou etnocentrismos de qualquer espécie. Acredito que as culturas não devem ser estanques. Devem interagir e partilhar, assegurando assim a sua evolução e sobrevivência, mantendo os conceitos nucleares que a definem. A globalização capitalista procura impôr valores culturais, ao invés da partilha saudável e selectiva. Efectua-se assim a metástase de um cancro que já se espalhou por todo o globo.

3 comentários:

Pedro Fontela disse...

Texto e espaço interessante :) tomei a liberdade de fazer uma ligação no meu espaço.

uma nota ao texto: «...substituindo a virtude pelo hedonismo puro, recusando assim a busca pelo conhecimento e recostando-se em plena alienação...»

Como já comentei no meu espaço esta questão de dacadência pode realmente ter uma base mas sinceramente a popularização do problema em termos literários está completamente dominado por escritores conservadores com agendas muito obscuras...

Anónimo disse...

Boas. O texto está muito bem escrito e achei por bem dizê-lo. Irei colocar também um link ao seu blog. Cumprimentos.

Flávio Santos disse...

Caro Pedro,

Obrigado pelo comentário. E agradecemos a ligação. Dei uma vista de olhos pelo seu espaço, e gostei do que vi. Linkaremos de volta :)

Quanto ao que comenta, a realidade é que cada vez mais se verifica uma elitização da cultura. Isto decorre especialmente do facto de que a maioria da produção cultural nos dias de hoje ser pouco mais que fast-food cultural. A ausência de indivíduos prontos a consumir Cultura devidamente "confeccionada" confere aos produtores de cultura uma sensação de estar a produzir para um nicho pequeno, altamente qualificado, onde os padrões de qualidade são rigorosamente verificados. E tal é daquelas coisas que 'sobe à cabeça', passando a expressão.

Cadeira do Poder, agradeço o comentário, e linkaremos de volta. ;)