sexta-feira, 2 de novembro de 2007

O utilitarismo religioso na Coreia do Norte

É complicado concretizar o projecto mais colectivo e isolacionista que o mundo conhece, deixando ao critério individual o julgamento dos propósitos para os quais trabalham, e se calhar, sob os quais foram concebidos.
Em primeiro lugar temos que nos socorrer do sentimentalismo e garantir que a sua afectação turva qualquer apreciação lógica. Depois apanhamos as franjas com qualquer coisa que careça de demonstração e feche a mente em raciocínios circulares capazes de estontear o mais audaz dos pensadores.
Essa coisa tem que condizer, ou pelo menos não contrastar, com os tons de vermelho com que se pintam as efígies do regime. Não pode por isso ser o trivial deus monoteísta, nem o Cristo-el-más-grande-socialista-de-la-historia.



É perante este problema que eu tenho que tirar o chapéu ao regime norte-coreano, que conseguiu substituir deus da forma mais criativa de que alguém se poderia lembrar.
Este senhor que vocês vêem na figura é o actual Presidente da Coreia do Norte. "Estranho!" dirão alguns "Nunca o tinha visto em lado nenhum". Pois não, e a razão para nunca o terem visto em nenhum dos despiques diplomáticos em que a Coreia do Norte esteve metida nos últimos tempos, é porque este homem morreu há 13 anos atrás. "E como é que ele chefia o Estado estando morto há 13 anos??" perguntarão os mais atrevidos. É aqui que entram os poderes celestiais consagrados pela Constituição, demasiado profundos, insondáveis aos homens, perdidos na vulgaridade das coisas terrenas. Os outros, os norte-coreanos, esses percebem como é que o país se governa com o cargo de chefia do Estado vago para a eternidade, ou ocupado por aquela entidade celestial que ainda ninguém provou por a+b, ter deixado de governar. É por isso e não só que o povo ainda pára para celebrar o seu aniversário e chorar na data da sua morte.
O filho do actual e falecido chefe de Estado, Kim Jong Il, também é um pouco mais do que um homem, embora não receba a divindade que o estatuto do pai lhe conferiu. Reza a lenda, difundida pela biografia oficial do primeiro-ministro (o filho) e contrariada pelo Wikipédia com base em "factos", que no momento do seu nascimento na mais alta montanha da Coreia do Norte, o céu aclarou onde um arco-íris se esbateu e os pássaros cantaram.

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