quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Nova lei do tabaco



Passeei por aí na expectativa de encontrar argumentos bem fundamentados contra a nova lei do tabaco [PDF]. Não encontrei nada, e porquê? porque a lei é fundamentalista. É fundamentalista no que toca a prescindir dos direitos positivos dos fumadores em prol dos direitos negativos dos não fumadores (exceptuando à regra os hospitais psiquiátricos e as prisões). Tendo em conta que a população fumadora se estima na casa dos 30%, podemos afirmar que incrementámos a liberdade numa função imaginária onde a maioria dos não fumadores ganhou um direito sobre um, até então, direito da minoria dos fumadores.
É uma questão de prioridades com a qual concordo e que por não ter muitas bases lógicas para ser refutada, retira a substância aos seus detractores e condena-os ao ridículo, que passo agora a expor:


O argumento da ingerência do Estado na propriedade privada

É um argumento que já foi lançado aqui por João Miranda e oportunamente rebatido por Rui Tavares, que passo a citar:

"O João Miranda não me leve a mal, mas este post parece uma daquelas listas de pureza ideológica que se dava aos maoistas para usarem na auto-crítica. Ainda por cima há coisas que não colam bem. Veja o ponto 6:

6. A propriedade privada, cara a qualquer liberal, é considerada relativa. O mesmo é dizer que a propriedade privada deve ser parcialmente colectivizada.

Vamos dizer que a propriedade privada é cara a qualquer liberal. Quer isso dizer que ela não possa ser considerada relativa? Só pode ser valorizada se for absoluta? Só se pode ser liberal se se considerar a propriedade absoluta? Nesse caso, John Stuart Mill não é liberal, e tenho impressão que está longe de ser o único. Tenho até impressão que o liberalismo clássico valoriza a propriedade privada precisamente porque ela é relativa, e que entre a propriedade e a justiça escolhem a justiça. Podem considerar — como você — que a justiça emerge de em regra se respeitar a propriedade privada, mas isso não quer dizer que ela seja absoluta. Quer apenas dizer, como diziam os romanos, que a propriedade é o jus utendi et abutendi res sua quateus juris ratio patitur. Ou seja, o direito de usar e abusar de uma coisa sua, sim, mas enquanto a razão do direito o permita.

Como diz o Tiago e bem, a razão do direito não me permite que eu, enquanto proprietário de um espaço público, não deixe lá entrar pretos. Não é justo, e a lei deve restringir o direito de propriedade nesse caso. O que não poderia acontecer se toda a propriedade fosse absoluta e todo o tipo de propriedade fosse igual (uma loja minha não é como a minha casa, onde eu posso efectivamente não deixar entrar sócios do sacavenense ou coxos, nem que seja apenas por capricho)."


O argumento da construção espontânea contra as engenharias estatais

Todos sabem que, auto-denominados liberais, têm um problema com o Estado e vivem a despejar os habituais trejeitos contra tudo o que o Estado faz, mesmo quando o faz bem.
Estamos a falar de pessoas que fazem fé em escritos mais jurássicos que os marxistas. Estamos a falar de encarnações de profecias como as de Thomas Jefferson que dizia: "The course of history shows that as a government grows, liberty decreases". Estamos a falar de gente que tem a convicção real de que só o Estado é que é uma força limitadora da liberdade individual, que só o Estado é que pisa os cidadão, negando por isso a realidade a céu aberto. Não é só o Estado que pisa os cidadãos, por vezes os cidadãos também se pisam uns aos outros, também limitam a liberdade uns dos outros. E é aí que entra o poder do Estado para garantir que isso não acontece, ou seja, para incrementar e instituir mais liberdades para os cidadãos.
Apraz-me dizer que esta mesma ideia está expressa no texto de João Miranda que atrás linkei:

"2. O plano visa destruir elementos sociais que são parte de uma sociedade complexa e que evoluiram espontaneamente sob a alegação que tais elementos sociais violam as liberdades individuais. Ou seja, aquilo que resultou da liberdade, que evoluiu espontaneamente, é contestado porque viola a liberdade."

E não há melhor forma de pôr as coisas. Não é só a liberdade que resulta da liberdade. É exactamente para isso que serve o Estado, para evitar que a liberdade de uns colida com a liberdade dos outros.
Infelizmente o próprio desmancha no ponto 7, aquilo que escreve no ponto 2:

"7. A liberdade individual é limitada porque a liberdade individual produz resultados que determinadas pessoas não gostam."

Não é porque determinadas pessoas não gostam, mas sim porque - como vem referido no ponto 2 - "viola a liberdade".

Para terminar este ponto. Se a maximização da liberdade individual passa por uma regulação do Estado, então um liberal que não quer que o Estado regule não defende a maximização da liberdade individual.

Argumentum ad Hitlerum



Já no fim de linha surgirá este conhecido silogismo, normalmente incompleto (concluído mentalmente) ou construído de forma lateral.

(1) Os nazis eram a favor da proibição do fumo em espaços fechados;
(2) Os nazis são criminosos;
(3) logo, a proibição do fumo em espaços fechados é uma lei criminosa e/ou nazi.

4 comentários:

Diogo disse...

Bom e trabalhoso post. Ainda não tenho uma posição definida sobre este assunto. Tenho a sensação de que falta qualquer coisa.

Rouxinol disse...

Qual é a dúvida? Ou a intuição?

Diogo disse...

Julgo que se está a dar um salto demasiado brusco sem pesar todas as consequências. Penso que o processo deveria ser mais faseado.

Miguel Sousa Tavares:

Na Irlanda - esse país que ainda há poucos anos perseguia os ‘infiéis’ não-católicos como emissários do demónio -, a perseguição aos fumadores desencadeada pela ASAE local levou já ao fecho de 11 mil «pubs» de província, de acordo com o lema “acabamos com os fumadores nem que tenhamos de acabar com a vida no interior!”

Flávio Gonçalves disse...

Por um lado até me agrada chegar a casa depois de ir ao pub e poder utilizar a roupa no dia seguinte... pelo outro, para um serão limpinho mais vale ficar em casa... que eu de quando em vez fumo socialmente.